..."Estávamos perdidos num labirinto de gigantes pedras graníticas do deserto. Tínhamos gasto uma boa porção do precioso combustível do jipe à procura da saída para os inóspitos areais onde encontraríamos um trilho que nos levasse de volta ao mundo habitado pelos homens....
Cometemos a imprudência de nos separarmos da caravana, o que nos foi permitido, por nos considerarem filhos do deserto que conheciam cada palmo de areia e cada pedra. Conhecíamos o areal mas não as pedras gigantes que engoliam o horizonte, e nos faziam sentir pequenos escaravelhos sem rumo ou direcção, caminhando entre forçadas curvas e contra curvas, abertas a seus pés. Caminho que levava a lugar nenhum e nos enganava, como se elas fossem o círculo de fogo e nós escorpiões, sem escape visível vislumbrando a morte como única saída.
O deserto acolhe todos mostrando-lhes o paraíso perdido mas é implacável e só aceita como filhos os que o reconhecem como pai da vida. Dá-nos tudo o que tem desde o sinfónico bailar das dunas ao som do vento, às miragens de lagos serenos no horizonte, até aos calcinados esqueletos dos incautos, evidência probante de que a morte é dádiva divina.
Oferece o suplício da sede e o fantasma da fome, entre o gélido frio da noite e o tórrido calor do dia, que incendeia areias como se fossem brasas.
Pernoitámos junto à boca de uma caverna em rocha gigante, com fogueira de bissapas e troncos acesa, embrulhados em mantas que nos protegiam do frio. Nas suas paredes, pinturas rupestres de homens com lanças perseguindo animais de caça e um sol, como se fossem um manual de instruções a ensinar aos viajantes do tempo a fonte da vida. A lição da sobrevivência em milenares páginas de pedra.
Tínhamos plena consciência que o deserto não transformaria o jipe em esqueleto de ferros retorcidos e enferrujados e de que os nossos corpos viessem a ser brancas ossadas calcinadas, jazentes em posição de decúbito ventral, reveladoras da agonia da sede e da fome.
O dia traria a luz e a procura de uma saída para o areal, que conhecíamos tão bem e onde o cheiro do mar e horizontes sem fim seriam bússolas que nos orientariam.
Estávamos tranquilos e em plena paz embora com a noção de apenas termos uma escassa reserva de água e de alimentos. Sabíamos que se não voltássemos dentro de dois ou três dias, o alarme seria dado e as avionetas iriam procurar-nos, voando sobre chão de quilómetros sem fim, onde as correntes ascensionais e ventos laterais as desviavam de uma rota que permitiria aos pilotos terem a certeza de ter coberto todo um território omisso em pontos de referência outros, que não as dunas que se moviam constantemente de lugar."...
Cometemos a imprudência de nos separarmos da caravana, o que nos foi permitido, por nos considerarem filhos do deserto que conheciam cada palmo de areia e cada pedra. Conhecíamos o areal mas não as pedras gigantes que engoliam o horizonte, e nos faziam sentir pequenos escaravelhos sem rumo ou direcção, caminhando entre forçadas curvas e contra curvas, abertas a seus pés. Caminho que levava a lugar nenhum e nos enganava, como se elas fossem o círculo de fogo e nós escorpiões, sem escape visível vislumbrando a morte como única saída.
O deserto acolhe todos mostrando-lhes o paraíso perdido mas é implacável e só aceita como filhos os que o reconhecem como pai da vida. Dá-nos tudo o que tem desde o sinfónico bailar das dunas ao som do vento, às miragens de lagos serenos no horizonte, até aos calcinados esqueletos dos incautos, evidência probante de que a morte é dádiva divina.
Oferece o suplício da sede e o fantasma da fome, entre o gélido frio da noite e o tórrido calor do dia, que incendeia areias como se fossem brasas.
Pernoitámos junto à boca de uma caverna em rocha gigante, com fogueira de bissapas e troncos acesa, embrulhados em mantas que nos protegiam do frio. Nas suas paredes, pinturas rupestres de homens com lanças perseguindo animais de caça e um sol, como se fossem um manual de instruções a ensinar aos viajantes do tempo a fonte da vida. A lição da sobrevivência em milenares páginas de pedra.
Tínhamos plena consciência que o deserto não transformaria o jipe em esqueleto de ferros retorcidos e enferrujados e de que os nossos corpos viessem a ser brancas ossadas calcinadas, jazentes em posição de decúbito ventral, reveladoras da agonia da sede e da fome.
O dia traria a luz e a procura de uma saída para o areal, que conhecíamos tão bem e onde o cheiro do mar e horizontes sem fim seriam bússolas que nos orientariam.
Estávamos tranquilos e em plena paz embora com a noção de apenas termos uma escassa reserva de água e de alimentos. Sabíamos que se não voltássemos dentro de dois ou três dias, o alarme seria dado e as avionetas iriam procurar-nos, voando sobre chão de quilómetros sem fim, onde as correntes ascensionais e ventos laterais as desviavam de uma rota que permitiria aos pilotos terem a certeza de ter coberto todo um território omisso em pontos de referência outros, que não as dunas que se moviam constantemente de lugar."...
Excerto do caderno: " Pedras"."Deserto.Insert 4"
Raul Almeida
Raul Almeida